sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Caixas de supermercado prioritárias

Sou apenas eu que tenho medo das caixas de supermercado prioritárias?

Se calhar sou. Bem, não julguem que sou um idiota por isso. Talvez seja idiota por outras coisas mas neste caso tenho uma justificação bastante plausível. E a resposta é mulheres! Claro, sempre elas.

As caixas prioritárias apresentam prioridade a velhotes, pais com gaiatos ao colo e grávidas. E aqui está o calcanhar de Aquiles dos jovens como eu. É muito difícil, por vezes impossível, distinguir entre uma mulher grávida e uma mulher gorda! Já disse. Ofendam-me à vontade à frente desse monitor. Quem nunca confundiu uma grávida com uma gorda que atire a primeira pedra! Não, não, não atirem pedras. Estava a falar no sentido figurativo. Raio de gente agressiva!!!

Em tempos, era eu um jovem inocente, arriscava-me a entrar na fila de uma caixa prioritária. Contudo, cedo descobri que isso era um erro tremendo. Aparece sempre uma mulher, digamos, cheeinha. E eu fico ali a olhar, estará grávida? Será apenas balofa? Mas as mulheres não estão solidárias com esta dúvida que me assola. Se for grávida e não deixar passar à minha frente, chamam-me nomes, como é possível não ceder o meu lugar a uma senhora com um rebento. Se for gorda e convidar a passar à minha frente, ainda me chamam mais nomes... Uma vez deixei passar uma gorda e quase levei um enxerto de porrada!

Desisti de ir a caixas prioritárias. Posso levar horas na fila mas não me arrisco mais. 

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Vivemos na era do marketing insultuoso!



Amigo, sim, tu aí, tu que trabalhas em marketing e comunicação e fazes campanhas. Deixa-me que te diga, não gosto de ti! Desculpa-me, não é nada pessoal, é totalmente profissional... e pessoal.

Estou chateado com o Holmes Place! É verdade, tenho coragem de estar chateado com um local onde habitam seres com o dobro do meu tamanho e cheios de testostorona e músculo que nunca mais acaba. Se calhar não estou assim tão chateado, vocês são porreiros. Malta que conseguia desfazer-me o crânio com apenas uma mão. Vocês são fixes! É uma cena entre mim e o choninhas que me mandou este e-mail! (espero eu que seja um caixa-de-óculos barrigudo que vive sentado na mesma cadeira ao computador há cinco anos e que conseguiu este emprego numa entrevista via Skype)

Às 6h51 da manhã enviam-me um e-mail a chamar-me gordo! Não há respeito! Eu acordo de manhã, abro a caixa de e-mail e a primeira mensagem do dia tem o título "É hoje que vai perder a barriga?"! Estou eu a saborear um iogurte grego de morango e estão a falar-me em perder a barriga? Pela manhã tenho muito mau humor (às vezes prolonga-se durante o resto do dia mas de manhã é terrível) e ser logo insultado não ajuda. Já me arruinaram o dia. Sexta-feira, véspera de fim-de-semana e começo o dia a levar com isto. Podiam ter dito "É hoje que vais começar a treinar para ficar todo gostoso para as miúdas?" ou "Começa já hoje e fica com uns abdominais de meter inveja ao Ryan Gosling!". Era simpático, eu ia ponderar seriamente inscrever-me no ginásio, pagar a primeira mensalidade e nunca mais lá ir porque sou preguiçoso. Mas ia ter um início de fim-de-semana gratificante, a imaginar-me cheio de caparro.

Isto não se faz. De seguida, pela hora de almoço, a ERA "já encontrou a sua casa de sonho". Estão a insinuar que a minha casa é má? Vivo nalguma palhota, é isso que querem dizer? Que mal tem a minha casa? Eu gosto da minha casa. É uma moradia, tem quintal, tem terraço, é fresca no verão, é iluminada, tem muitas janelas, tenho muita privacidade e posso andar pelado à vontade. Qual é o problema da minha casa, ERA? Convido-te a vir cá a casa e depois logo me dizes se os meus pais não tiveram bom gosto.

Que é feito daquelas campanhas onde oferecem um carro? Não me iam ofender se quisessem trocar o meu Corsa por um BMW, por exemplo. Ou podiam encontrar o meu emprego de sonho.

Mas não, chamam-me gordo e dizem que vivo numa espelunca. Obrigado, amiguinhos!

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

A Jessica Athayde é mesmo...

Que coisa boa! Calma, não estou a falar da Jessica Athayde pois ela precisa de ter mais cuidado com o McDonalds e dar mais atenção ao pilates e ao crossfit. Viram a forma como eu coloquei aqui crossfit? Foi fantástica, não foi? Não faço ideia do que é crossfit mas está na moda e um blogue tem de estar na moda. E por falar em moda, vamos à Moda Lisboa. Calma, vocês hoje estão muito nervosos, não vamos nada à Moda Lisboa. Isto é uma cena de comunicação bloguesca em que nós no teletransportamos para outros sítios e temas, tipo o Son Goku que se teletransportava do planeta Namek para o campo de batalha na Terra.

O verniz estalou quando uma tipa mandou uns bitaites sobre a forma física da Jessica e todo o mundo, naquele preciso momento, sentiu necessidade de tomar um partido. Será que sou a favor das modelos esqueléticas? Será que a Jessica precisa mesmo de fazer abdominais como a Carolina Patrocínio? Será que devo cortar nas batatas fritas que fazem tanto mal e sabem tão bem? Ou será que a Jessica é um belo naco e todas as modelos deviam ter assim curvas gostosas e usar grandes tamanhos de soutien ou nem usar soutien mas, no caso de usar, ser um número grande?

Eu levei uns dias a pensar e ainda não decidi de que lado estou. Como disse a Sara Sampaio, "mas a mulher verdadeira, como eu aprendi, tem uma vagina”. Transcrição retirada do site da RTP, isto para não dizerem que andei a inventar coisas! Hum, era só isto. Sempre quis escrever que mulher tem vagina, mesmo que seja apenas em transcrição.



Contudo, foi curioso o que se desencadeou depois da tal tipa ter mandado os tais bitaites. Nunca tinha visto tanta foto da barriga da Jessica nem sabia que havia tanta gente atenta à Moda Lisboa. Os homens babavam-se a ver as fotos e as mulheres roíam-se e falavam mal do corpo da rapariga. Em masculino seria a mesma coisa que o Fernando Mendes dizer ao Pedro Teixeira que devia comer mais saladas e fazer mais exercício físico. Mas no mundo masculino seria impossível isto acontecer. Nós, homens, machos, não somos assim. Um macho a comentar a forma física de outro macho é muito macho no seu comentário. Tipo, "estás gordo que nem um texugo" ou "com essa barriga dás cabo dos amortecedores do carro". Bem, agora que reli isto talvez sejamos um pouco antipáticos na forma como comentamos a forma física dos outros machos mais gordos. Meu Deus, somos uns monstros! Vou já ligar para os meus amigos e dizer "amigo, tu até nem estás assim tão gordo. Apenas parece que estás grávido! Bora jogar uma futebolada hoje à noite para abateres essas banhas!". Nós machos, somos capazes de fazer o esforço de sair de casa e ir jogar à bola com os amigos para que eles façam exercício. Mas os gordos vão à baliza porque são lentos e cansam-se mais depressa. Depois falamos da Jessica Athayde, todos concordamos que ela está bem boa e a seguir alguém há-de lembrar-se que a Cláudia Vieira também é bem jeitosa, então e a Rita Pereira? Acaba a futebolada, com o resultado de 32-29 e os derrotados, para além de estarem com uma azia do tamanho do soutien da Fafá de Belém, vão pagar umas rodadas de minis ali no tasco. Conversa puxa conversa, já todos concluímos que as mulheres são todas umas falsas e invejosas. Fico-me por aqui que o pessoal já bebeu uns copos e a partir de agora só se vai falar de mamas.

PS: Homem, macho que me estás a ler, se a tua equipa te manda para a baliza mais vezes do que o resto dos teus colegas, se calhar não é porque jogas muito mal e só te convidam por seres o dono da bola, possivelmente não te chamam panda por seres branco e preto e comeres bambu. Faz lá um esforço e vai dar uma corridinha até ao Porto Mós. Força, tu consegues, badocha!


quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Marinho Pinto, cognome: o pobre

Se para Marinho Pinto o ordenado de um deputado é "indigno", como será que ele classifica o ordenado de um trolha ou de um caixa de supermercado? Cavaco Silva também se queixa de ganhar apenas 10 mil euros por mês e Marinho Pinto acha isso muito pouco. Que achará Marinho Pinto de um reformado que trabalhou uma vida inteira e sobrevive com duzentos euros por mês e com despesas de saúde a roçar nos trezentos?

É complicado, num país onde todos vivem revoltados, ter declarações destas. Eu até posso tentar perceber o lado do Marinho, porém, a realidade é que em Portugal o salário mínimo não chega aos 12 mil euros anuais (três meses para o Marinho Pinto, portanto). A realidade é que há muitos licenciados e doutorados a receber o salário mínimo (com licenciaturas a sério, a do Miguel Relvas é uma excepção e não deve ser ensinada aos jovens). A realidade é que muitas empresas despedem profissionais com experiência para contratarem estagiários e jovens para fazer o mesmo trabalho e receber menos.

Mas eu não estou aqui para julgar ninguém. Fazer vida de pobre já me ensinou muita coisa. Posso até dizer que tem sido uma benção! Aprendi a cozinhar, lavar roupa e loiça, passar a ferro, aprendi a ir às compras, aprendi a fazer matemática e a gerir as minhas finanças. Descobri que é possível fazer três refeições com um pacote de massa, uma lata de cogumelos laminados, um pacote de natas e 200 gramas de bacon. Duvido que o Marinho Pinto saiba as diferenças entre uma cerveja Cergal e uma Heineken ou a diferença entre um vinho Quinta de Cabriz e um Navegante. Vai buscá-la, Marinho, eu sei!

Em comparação abstracta, posso afirmar que o Marinho Pinto seria incapaz de sobreviver meio ano a receber 500 euros por mês mas eu podia viver à lorde se recebesse 4800 euros. Não quero dizer que sou melhor que o Marinho Pinto mas...

O Marinho Pinto vive na Liga Europa e eu vivo nos campeonatos distritais. Ele contrata um Audi topo de gama e eu contrato um Opel Corsa de 1999, ele contrata um filet mignon e eu contrato umas costeletas do cachaço em promoção, ele contrata Marquês de Borba de Reserva para um jantar agradável e eu contrato JP. E quando é altura de atacar o título com uma mala da Prada para a esposa e uns sapatos da Gucci, eu recorro à formação e volto a usar o cinto da C&A e a t-shirt da Pull & Bear.

Mas o Marinho Pinto tem razão, viver em Lisboa é caro. Com mil euros em Lisboa eu fazia vida de pedinte. E mesmo assim tinha de dividir casa com dois amigos, andava de transportes públicos, jantava em casa e levava o almoço numa caixa de plástico. Ir jantar fora só em ocasiões especiais, cinema via torrent, futebol em streaming e roupa nova só em Outlet. E que Deus me ajudasse se ficasse doente ou se o carro tivesse uma avaria. Despesas extra não entram nas contas.

Estou contigo Marinho! Vamos aumentar o salário dos deputados. Mas só dos deputados. Os pobres estão habituados a viver pobres e podem reagir mal se receberem um ordenado superior a 500 euros por mês.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Ficas à espera até ao próximo verão

Até um dia...

Havia quatro anos que estavas guardada no roupeiro. A apanhar pó, a ouvir gente a passar no corredor e nem para ti olhavam. Nunca te revoltaste por ficar relegada para segundo plano. Afinal de contas, sempre soubeste que ver a luz do dia era uma situação precária, eras apenas uma ocupação de tempos livres e uma forma de juntar dinheiro para gastar mais tarde em copos e festas e roupa de marca. Mas sempre te mantiveste fiel à espera que o próximo verão chegasse e com ele uma nova oportunidade para saíres à rua. Foste ouvindo histórias da universidade, sonhos de um jovem que em tempos quis ser jornalista, animador de rádio, jornalista desportivo, comunicador desportivo - mesmo sem saber se tal definição existia mesmo, assessor de comunicação. Presumo que nem saibas o que isso é. Apenas conheces os balcões de bar, as arrecadações, as mesas onde os turistas jantam. 

Sabes tirar cafés, meias de leite, galões, descafeinados, pingados, cafés sem início, imperiais, finos, lambretas, canecas, tulipas, shandys, panachés, diesel e tangos. Sabes que o inglês gosta de pouca espuma na cerveja e que é sempre útil guardar adoçante no bolso. És do tempo em que o gin era servido em copo de long drink, com gelo, uma rodela de limão e água tónica. Bebida de bife. Nunca esqueceste que os estrangeiros desconhecem o vinho verde e que não se importam de pagar mais por esse vinho tipicamente português. Não tens jeito para fazer cocktails e odeias caipirinhas. Gostas de ter o bar sempre limpo e não dispensas uma boa conversa sobre desporto. Sempre desporto. E os clientes gostam de te ouvir falar. Contar histórias que lês nos jornais e nos blogues. Entretanto, há sempre alguém que te paga uma cerveja só para te ouvir falar e tu continuas, com as tuas lengalengas sobre o Algarve e as belezas de Portugal. Aconselhas uma visita às grutas da Ponta de Piedade, um passeio a Monchique para os mais velhotes, uma ida ao Zoomarine para casais com crianças, ver o sunset em Sagres para os casais apaixonados. E gostas disso. Ficas maravilhada quando te contam coisas sobre outras culturas, outros povos, lugares mágicos que nunca tiveste oportunidade de conhecer. 

Estás comigo desde 2005. E nem tivemos um começo fácil. Ao fim das primeiras duas semanas fomos despedidos. Expectável. Ainda nada sabíamos sobre a vida fora dos livros e dos recreios. No ano seguinte tudo foi diferente. Começar novamente do zero mas com outra vontade. Resistimos às garrafas de vinho que não conseguíamos abrir, aos talheres que saltavam dos pratos para o chão, aos copos que escorregavam das mãos, aos gritos do chefe e às brincadeiras dos colegas. Éramos ingénuos e atrapalhados. Fomos resistindo e, com um pouco de sorte e algumas cargas nervosas, tudo correu bem. Crescemos juntos e começámos a gostar de tudo isto. Os bem-educados, os arrogantes, os sérios e os brincalhões, os tesos e os gabarolas, os chatos e os "cinco estrelas". Porém, era apenas uma ocupação de tempos livres. Em setembro começavam as aulas e lá ias para o roupeiro à espera que o verão chegasse.

Este ano, o verão chegou em Agosto e já acabou. Foi curto. Mas soube bem voltar a ver-te. Estás mais velha, mais gasta, um pouco rasgada nas axilas e saltas fora das calças quando levanto os braços. Já não tens a energia de antes e os tempos no roupeiro deixaram-te mais lenta e mais séria. De resto, continuas igual. Ainda consegues processar a informação de várias mesas ao mesmo tempo e continuas a gostar de falar de desporto. Já estamos em setembro e vais voltar para o roupeiro. Nove anos depois, vais continuar à espera do próximo verão. Até um dia...

sábado, 30 de agosto de 2014

Parafusos à deriva

A vida tem destas coisas. Hoje, ao tentar arrumar um guarda-fato lá em casa, encontrei meia dúzia de parafusos e encaixes de móveis. Fiquei curioso e lá fui vasculhar à procura do resto dos materiais. Estava no quarto do meu pai - uma bela cómoda da IKEA. O meu primeiro impulso foi abanar a cómoda, abrir e fechar as gavetas várias vezes e com alguma violência, empurrar a cómoda na esperança que ela se desmembrasse. Não aconteceu. Desisti ao fim de dois ou três minutos.

Mas afinal, porque é que sobram sempre peças quando se monta um móvel?

Acho que pode ser para prevenir que alguém perca peças ou que elas se danifiquem, assim como alguma roupa traz botões extra. Mas não deixa de ser engraçado. Para dizer a verdade acho que sempre que tento arrumar alguma divisão da casa vou encontrado peças perdidas de móveis antigos. Um dia junto tudo e hei-de construir um barco! Ou um baloiço! Ou então há-de tudo ir parar ao lixo para um dia mais tarde precisar de um parafuso e não ter nada. A vida tem destas coisas.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Amigo Henrique Raposo, você fez figura


Amigo Henrique Raposo, (in)felizmente não nos conhecemos pessoalmente. No entanto, no meu direito de usufruidor da liberdade de expressão - tal como você - vou-lhe dizer a minha opinião sobre si: você fez figura de besta! Mais uma vez!

Custa-me que alguém com os seus estudos faça estas figuras. Não sou leitor assíduo do jornal Expresso, e muito menos seria pelas suas crónicas ridículas, mas sempre que leio esse semanário faço questão de saltar a página onde o seu nome figura. Será que a sua crónica é apenas um golpe de marketing? Será que você esconde um tom irónico no que escreve? Será que você fuma umas cenas maradas antes de se debruçar sobre o teclado? Digo isto porque, vamos lá a ver, 1 - a sua crónica desta semana deve ter batido recordes de vendas no Algarve; 2 - ri-me bué com este texto; 3 - se fumar brocas não causasse efeito, mais valia beber um chá de tília.

Como deve calcular, sou algarvio. Nascido e criado. E também já trabalhei e vou trabalhando na área do turismo, restauração, hotelaria. Pois, escusado será dizer que as suas palavras não me caíram bem. Não porque eu esteja a dar valor ou atenção ao que escreveu, aliás, já nem me lembro de uma frase inteira. Mas vejo nestas palavras muitos turistas que passam cá pelo meu reino. O facto de você falar mal de mim e dos meus colegas, ao generalizar e dizer que somos "antipáticos" e que "não sabem(os) receber" dá-me vontade de rir. A sério, acredite que achei piada ao seu texto. E dou-lhe crédito por isso, até porque sou algarvio e, pelas suas palavras, sou antipático e não esboço sorrisos. Você fez-me rir, não é fantástico? Ainda mais estranho será pensar que os turistas estrangeiros - e muitos portugueses - falam bem de nós pelos cotovelos. Já ouviu dizer que o Algarve é dos destinos de férias mais procurados da Europa? Sabe que muitos estrangeiros, e portugueses, adoram o Algarve e voltam cá todos os anos? Imagine só que você, com essa fraca opinião nossa, continua a insistir em passar férias neste reino que separa Portugal do Mar Mediterrâneo. Não é estranho? Mas você é um estudioso, diria até que deve ter vários diplomas emoldurados na parede do escritório, mesmo ao lado das fotos em calções de banho rosa-esbatido numa qualquer praia algarvia.

Amigo Henrique, sabe onde podia meter essa opinião ressabiada de quem foi "mal atendido"? Adivinhou, perspicaz que você é! Nunca privei consigo nem o vi sentado à mesa de um café ou restaurante. Não sei se pede meia dose de frango e uma garrafa de água de litro e meio para a família toda ou se janta filet mignon e bebe um vinho de reserva, não sei se deixa gorjeta ou se atira para cima da mesa aquelas moedas pretas que vão avolumando a carteira, não sei se explora tudo o que o Algarve tem para mostrar ou se vai para a praia às 11 da manhã e estende a toalha a dez centímetros das outras pessoas e começa a gritar atrás dos filhos enquanto todos atiram areia para as pessoas ali ao lado que estavam a desfrutar de uma boa manhã de praia. Sabe, ao contrário de si, não vou generalizar e dizer que você é daqueles com quem nós, algarvios, gozamos o verão todo e queremos ver pelas costas porque só estragam o turismo. Você até pode ser bom moce e estar apenas a desabafar de uma má aventura pelas minhas terras.

Mas a vida tem destas coisas, "paga o justo pelo pecador". Agora despeço-me porque chegou um grupo de oito portugueses que acabou de arrastar várias mesas e cadeiras de lugar como se fossem donos do bar e que estão a pedir dois cafés enquanto gritam com as crianças que querem gelados mas que os pais consideram ser caros porque estamos no Algarve e aqui cobramos um euro e meio por um Cornetto. Entretanto os clientes do lado, que também são portugueses, pediram a conta, acho que estão incomodados com os Henriques Raposos que temos cá hoje.

terça-feira, 22 de julho de 2014

O homem que não ficou para a história

Há uns tempos tive o prazer de ler uma obra de Jô Soares, um dos melhores humoristas brasileiros - uma espécie de Herman José e Jay Leno lá do Brasiú -, "O homem que matou Getúlio Vargas".


Pois bem, como é público, o ex-presidente do Brasiú suicidou-se. No entanto, Jô Soares soube criar um personagem que tinha tudo para ser um dos melhores assassinos da sua geração e que quase matou Getúlio Vargas. Muito resumidamente, o personagem principal da história quase despoletou a I Guerra Mundial, quase matou Franklin Roosevelt e esteve muito perto de matar Vargas. Fracassou sempre, com algumas trapalhadas pelo caminho. Para conhecerem as restantes peripécias, que incluem anões e mafiosos, é melhor mesmo lerem o livro. E estou a ser muito sério em relação a isto - anões, contorcionistas, assassinos, anões assassinos e contorcionistas, gajas boas!

Bem, o personagem passou ao lado de uma grande carreira e senti empatia com ele. Se fosse no cinema, ele ia matar toda a gente e salvar a sua família de um gangue de criminosos. Porém, Jô Soares não teve essa compaixão para com o pobre coitado e, página após página, continuou a gozar com a sua falta de sorte. Infelizmente, esta obra nunca será um best-seller, nunca irá valer um prémio Nobel nem tão pouco será adaptada ao cinema. Para isso precisava de mais explosões e histórias de amor. O personagem de Jô Soares é um bandido que sabe manejar espadas e fazer bombas artesanais mas que nunca verá um poster seu no quarto de um adolescente revoltado - bem ao lado de um poster dos One Direction e de um post-it a dizer "A minha vida é uma merda"!

Eu gostei e recomendo. Obrigado Jô!

terça-feira, 15 de julho de 2014

Esta é para ti, Henrique

Às vezes apetece-me...

Sair à rua todo pelado.
Sair à rua só de cuecas.
Sair à varanda todo pelado.
Sair à varanda só de cuecas.
Correr pela cidade só de ténis, para não magoar os pés.

Outras vezes apetece-me ser taxista. Mas se calhar é mais perigoso que sair à rua todo pelado.

Ser taxista deve ser bom. Ou mau, se não gostarem de conduzir ou de dar ao traquejo. Mas se não gostam de conduzir, por que raio tiraram licença de taxista? Não vos percebo. Eu gosto de conduzir. E de dar ao traquejo. Quer dizer, nem sempre. Às vezes, vá.

E conduzir um "carro de praça" todo pelado? Talvez já esteja a abusar.

A última vez que passei por um táxi, cujo taxista ostentava um belo bigode e os amassos da camisa faziam adivinhar uma bela barrigota, fiquei com vontade de ser taxista. Não pelo facto de poder transportar uma rapariga jeitosa como era a sorte daquele taxista. Ou pela adrenalina de levar alguém à Damaia e poder chegar a casa só de cuecas e sem carteira.

O taxista parecia alegre, talvez estivesse a tentar explicar à rapariga, numa mistura de inglês e português, que à esquerda tinha a marina, uma das mais bonitas do Algarve, e à direita ia surgir a estátua do Infante D. Henrique. "Quem?" Perguntaria ela. "O filho do rei D. João I e um dos nomes mais importantes do início dos Descobrimentos. Aliás, a menina sabe que chamam a Lagos a Cidade dos Descobrimentos? Daqui saíram muitos barcos para aventuras em África e até para lá do Cabo Bojador. Bojador, não? Também lutou em Ceuta. Marrocos." "Oh, Marrocos, Africa, sim." "Também temos uma estátua de D. Sebastião, no centro da cidade. Também não conhece? Não faz mal, esta eu dou de graça. O rapaz não foi propriamente o nosso melhor rei. Chegou ao trono cedo demais, tinha a mania que sabia tudo e queria andar à porrada. Queria batalhas e mais batalhas. Desapareceu em Alcácer-Quibir." "Morreu em batalha?" "Olhe, ninguém sabe. Nunca mais foi visto e não existem confirmações nem da sua morte nem da sua captura nem da sua fuga. Talvez por isso se tenha tornado uma lenda. Dizem que um dia, numa noite de nevoeiro, D. Sebastião irá regressar." "E você acredita nisso?" "Sinceramente, teria a sua graça. Mas acho que ninguém vive tanto tempo, ele desapareceu no século XVII. Bem, aqui está o seu hotel. São 5,70€." "Tome dez, pode ficar com o troco." "Muito obrigado, menina. Tenha uma boa estadia."

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Geração "pós-Sérgio Conceição" soma primeiro título

Foto retirada da página https://www.facebook.com/DFBTeam?fref=ts
No dia em que a selecção germânica espetou quatro bolachas numa paupérrima selecção de jogadores que diziam representar Portugal, pensei para mim: "Vejam bem o que aí vem!". Contudo, e porque há sempre o risco de ocorrer uma surpresa, preferi guardar as certezas para a final. Não me enganei!

Ano 2000, início de século XXI. Eu, com os meus onze aninhos, em frente à televisão a festejar uma enorme reviravolta, depois uma resposta vingativa, outra grande vitória, e outra grande vitória e só de penálti nos pararam. Mas isso pouco importa, hoje é dia da Alemanha, sem gorda, se faz favor.

Tricampeã mundial, tricampeã europeia e a defender o título continental, a selecção de Mathaus, Kahn e Bierhoff, foi vergada pela Roménia de Hagi e por uma segunda linha de Portugal onde se destacou um tal de Sérgio Conceição, com um hat-trick frente ao melhor guarda-redes do Mundo, frente à selecção campeã europeia. Seria apenas ousadia dos "pequenos", sem respeito pela Mannschaft? Seria o fim de uma selecção que lutava sempre pelo título?

"- Olha, e que tal correu o Euro?
- Epah, um empate com a Roménia, perdemos com a Inglaterra e depois levamos três de Portugal.
- Figo, Rui Costa e Nuno Gomes?
- Não, hat-trick do Sérgio.
- Quem?"

Portanto, a Federação Alemã de Futebol (DFB) decidiu dar início a uma reestruturação que começou a ser implementada em 2004, após nova fase decepcionante. A DFB impôs que todas as equipas da 1ª e 2ª Divisão tinham de possuir um centro de excelência para jovens. Depois, a Federação acompanha a evolução dos melhores jovens com base em dois aspectos principais - força física e técnica. Jogadores fortes fisicamente e tecnicamente, que saibam decidir rápido e que possam oferecer poder de choque à sua equipa. Medida à qual se juntou uma equipa de olheiros para observar jogadores jovens estrangeiros a viver na Alemanha que pudessem naturalizar-se e representar a selecção alemã, como Özil, Khedira ou Boateng. Em 2014, apenas Klose e Weidenfeller, os trintões, resistiram à diminuição da média de idades na selecção - na década de 90 a média era 29 anos e agora é 24. Lahm, Schweinsteiger e Podolski são os mais velhos da geração "pós-Sérgio Conceição" (nome carinhoso pelo qual trato os novos campeões do Mundo). O próprio Joachim Löw, que muitos gostam de classificar como mau treinador, foi o primeiro adjunto desta reestruturação e há oito anos que comanda esta geração - nunca falhou uma meia-final!

A isto considero trabalho, muito trabalho, rigor, organização. No núcleo duro da selecção, a grande maioria dos jogadores alcançou a titularidade logo à saída da selecção de Esperanças. Lahm, Schweinsteiger, Özil, Hummels, Neuer, Müller, Kroos, cimentaram o seu lugar nas camadas jovens e marcaram posição na selecção sénior. São eles o presente e o futuro da Alemanha, eles que treinam ao mais alto nível e jogam ao mais nível desde tenra idade. É também curioso reparar que nenhum jogador alemão se destaca como o melhor. Têm Neuer, Lahm, Hummels, Boateng, Howedes, Kramer, Schweinsteiger, Kroos, Özil, Müller e Klose, ainda Khedira, Götze, Schürrle, Zieler, Podolski, Draxler ou os lesionados Schmelzer, Reus, Bender e Bender. Não há um grande jogador, há vários bons jogadores que formam uma equipa implacável.

Com Kroos e Müller de saída do Bayern, podemos dizer que o Guardiola é uma besta (podemos sempre dizer que um espanhol é uma besta, mesmo sem motivos, mas futebolisticamente é estranho ver estas saídas)? Como é que o Klose, aos 36 anos, corre mais que o Postiga e o Almeida juntos? Vamos assistir a um domínio alemão no futebol mundial? Se esta fórmula é assim tão boa, onde andam as selecções jovens alemãs? Pois, amigos, tarot é com a Maya. Apenas vos digo uma coisa, este título não é "obra do acaso" e os germânicos têm aqui uma selecção para o futuro!

terça-feira, 8 de julho de 2014

Do bom tempo ao peixe real e o adeus ao Flecha

- Que bonito dia.
- É verdade, devem estar uns 26 ou 27º.
- Olha que não, hoje vai bater nos 28!
- Vi nas notícias que só amanhã chega aos 28º, hoje anda pelos 26, 27.
- Mas está vento.
- Sim. É um bocado chato.
- Mas aqui em Lagos é normal. Olha, está bom é para a pesca.
- E que sabes tu sobre isso? Nem sabes nadar.
- Ouvi um senhor a comentar. Levantou-se às 5 da manhã para ir pescar.
- E apanhou alguma coisa?
- Não sei, não o vi chegar. Mas o pai também gosta de ir à pesca.
- Nunca fui pescar, acho que não ia aguentar. Horas de cana na mão e não trazer nada para casa.
- Isso deve ser consoante as marés e o isco. Ou diz-se isca?
- Iscas é fígado. Ainda no outro dia comi. Fritas. Não é dos meus pratos favoritos mas até soube bem.
- Pois. Prefiro mesmo peixe grelhado.
- Também eu. Hoje tenho uma sardinhada ao jantar. 
- Espectáculo. Peixinho grelhado com este calor, bem regado a cerveja fresca ou um bom vinho verde.
- Era bom mas estou a trabalhar e vou ser eu a servir as bebidas. Consigo comer qualquer coisa mas beber é mais difícil.
- Ah pois, tem de haver prioridades. Sabes quem também comeu peixe?
- Quem?
- Uma garoupa. Saiu em vários jornais.
- Não me digas que foi o Ronaldo?
- Não. Foram os reis de Espanha. Foram almoçar com os ilustres portugas e comeram garoupa.
- Eu tinha-lhes dado cherne. Como símbolo da democracia!
- Deixa de ser implicativo. Eles nem iam perceber.
- Olha, por falar em espanhóis, já viste que o Di Stefano morreu?
- Sim. Vi no Facebook. Também já tinha alguma idade.
- Sinceramente, nunca gostei muito dele.
- Por ser espanhol?
- Também. E por ter sido adversário do Benfica na final de 62.
- Mas o Benfica ganhou e ele nem sequer marcou nenhum golo.
- Está bem. Mas era inimigo.
- Até o Eusébio tinha admiração por ele. Estás a ser implicativo.
- E agora lá em cima era o Monstro Sagrado e o Pantera Negra juntarem-se e obrigarem o Flecha a ver essa final vezes sem conta.
- Pronto, já vi que estás de mau humor. Até amanhã.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Di Maria, o melhor jogador feio da actualidade


Orelhudo, magricela, desengonçado e trapalhão, Angel Di Maria, Angelito, Di Magia, Triki Triki (alcunha que vem dos tempos em que jogava no Rosario Central) ou Fideo (noodles, se preferirem), o 7 da Argentina, o 22 do Real Madrid, o melhor jogador feio da actualidade.

Há uns meses lembro-me de ter lido, algures num “periodico” do país que fica a Este de Portugal, que Di Maria achava uma injustiça não ver o seu nome na lista de candidatos a melhor do Mundo. Por incrível que pareça, ou talvez por ainda me lembrar das suas arrancadas pelo corredor esquerdo daquele que foi o melhor Benfica que conheci, deu-me para concordar com ele. E hoje ainda concordo mais.

O tímido jovem magricela que aos 19 anos chegou a Lisboa tem feito de tudo para escrever o seu nome na história do futebol moderno. Contudo, conquista após conquista, golo após golo, a cada assistência que efectua com os seus magistrais passes de letra (diz o Angelito que tem mais confiança em cruzar de letra com o pé esquerdo do que em cruzar com o pé direito), o seu nome continua a não encher capas de jornais. Excepto em Rosario, cidade que o viu crescer e que ainda hoje acompanha a carreira de um dos seus maiores, se não o maior, prodígios.

Mas o Angelito nunca será um dos melhores do Mundo. Ou, reformulando, nunca será um dos melhores do Mundo para os media porque, para mim, já o é há muitos anos.

Para se ser um dos melhores do Mundo não basta jogar bem ou ganhar títulos ou bater recordes. Isso são apenas gotas num oceano. Para se ser realmente um dos melhores do Mundo é preciso que alguém diga que nós somos bons. É preciso que se escrevam crónicas e artigos de opinião, é preciso que alguém debata ou opine num qualquer programa onde os Freitas Lobos e Ruis Santos desta vida debatem e opinam, é preciso que os editores coloquem os nomes e as fotos nas capas dos jornais. Sem isso, muitos jogadores banais seriam isso mesmo – jogadores banais. Mas Angelito não tem imagem, ninguém fala nele, é um jogador feio. Foi o melhor jogador dos Jogos Olimpicos 2008, foi o melhor na final da Champions de 2014, foi o melhor ontem contra a Suíça. Mas não chega. O inútil do rato, que mais não fez em 120 minutos que um passe para golo, é sempre o destaque, mesmo tendo esse golo saído do pé esquerdo do feio.


O feio, o tal que não merece ser considerado um dos melhores do Mundo, ataca, defende, faz picos com e sem bola durante 90 minutos, 120 se for o caso, passa, desmarca, desmarca-se, luta, rouba bolas, fecha espaços, cruza, remata. Não é o melhor jogador argentino porque existe Messi, joga nos “blancos” e aí tem o Ronaldo, é patrocinado pela Adidas e leva novamente com o rato. Talvez se tivesse orelhas mais bonitas, ou se tivesse mais carisma, ou se desse mais entrevistas. Jogar bem não chega para que o feio Angelito possa ser um dos melhores do Mundo. Para mim, que gosto de ver futebol sem comentários, é dos jogadores que mais gosto de ver, é decisivo nas suas equipas e isso basta-me.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Sonhos pela manhã

foto "sacada" do Google, via blog intrusanacozinha

Sonhos. Quem não tem sonhos? Sonho no sentido abstracto, ou no sentido que vocês quiserem. Sonhos. A dormir, acordados, ao pequeno-almoço com café, sonhos. 

Já sonhei tanta coisa. Por norma, sonho acordado. Dormir é para descansar e repor energias. Raramente me lembro de ter passado a noite em aventuras, não consigo adivinhar o futuro enquanto ressono, não me recordo de ter caído de um escadote ou de um poço durante a noite. Sonho acordado. Sobre muita coisa, sobre tudo, sobre nada. Todos nós sonhamos, sonho eu. Fui uma criança normal, mais bonita e inteligente que as demais mas, mesmo assim, normal. Sonhava ser jogador de futebol, talvez ainda sonhe, maldita realidade que me deu dois pés esquerdos e a mania de ser dextro. Sonhava ter um Subaru Imprenza, igual aos jogos de Playstation, azul com estrelas doiradas. Já o confessei aqui neste blogue, tenho orgulho em ter sonhado ser um piloto de rallies ou apenas um azeiteiro. Sonhava ser rico e não precisar de trabalhar, descobri que não trabalhar é fácil mas o mundo capitalista não me deixa ser rico. Nota do autor: jogar no Euromilhões pode ser tentador para quem não gosta de trabalhar mas já gastei para cima de 20 euros e depois desisti.

Hoje em dia, continuo a sonhar e a viver entre sonhos. Sonho com o quê? Com tudo. Sonho com uma profissão de sonho, com várias até. Sonho com carros e mansões e vivendas e férias e viagens e idas à bola, muitas idas à bola, muitos carros, nada de Subarus. Desculpa, amigo Subaru, foste trocado por um modelo alemão que me permita vestir um fato clássico e usar óculos da Ray Ban. 

Enfim, sonhos...

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Clã dos homens-pantera


Desde o início dos tempos, homens-pantera e homens-leão lutam pelo mesmo território: Armalok. Kali é um jovem homem-pantera, filho do falecido Kapito, primeiro rei de Armalok e comandante do maior exército que a savana já conheceu. Mas Kali pouco sabe, nasceu em tempos de paz e as únicas lutas que conhece são as que trava contra os seus amigos, no seio de um pequeno grupo de refugiados. O seu pai foi executado numa emboscada levada a cabo por Goti, o traidor.

Os sobreviventes da emboscada que vitimou o primeiro rei de Armalok vivem escondidos no meio da selva, escondendo-se entre antigas cavernas, fugindo sempre que os batedores de Goti se aproximam. Kali não sabe porque vagueiam pela selva, parando poucas semanas em cada novo esconderijo. Está mais preocupado em ser o mais forte entre os seus amigos e em aprender tudo o que Famil, o líder do grupo e o mais velho entre os sobreviventes, lhe ensina. Está cada vez mais forte, mais ágil e não perde uma oportunidade para desafiar os mais velhos. Em breve será o mais forte do grupo! Só de pensar nisso, os seus olhos negros brilham e o seu pêlo, negro como a noite, até parece crescer. Os seus amigos já o respeitam e todos dizem que um dia será um grande líder. Ele sorri e sacode as orelhas. As jovens fêmeas fofocam às escondidas, dizendo como ele se está a tornar belo e forte, mas ele não se interessa por elas. Só quer lutar e pregar partidas. Logo pela manhã, Kali procura o seu mentor, que o espera no seu posto de vigia. Há quem diga que Famil não dorme, está sempre atento. O jovem homem-pantera não acredita mas a verdade é que nunca apanhou Famil a dormir ou sequer desprevido. O velho mentor sabe sempre quando alguém se aproxima.

Uma noite, Kali desrespeitou as ordens para ir deitar-se e tentou enganar Famil. Levantou-se da sua cama, um monte de velhas folhas de árvore-sol, a árvore sagrada de Armalok, e aventurou-se pela selva à procura de Famil, com muito cuidado para não pisar os seus colegas e evitar qualquer barulho. O seu mentor estava sentado em cima de um rochedo, à entrada da passagem que dava para a caverna. Camuflado pela noite, apenas a sua barba branca brilhava ao luar. Kali misturou-se na vegestação e foi-se aproximando devagar. Já estava a menos de cinco passos e num salto era capaz de atacar o seu mentor.
- Sai daí, Kali. Devias estar a dormir junto dos outros.
- Bolas! Como sabes sempre quando me aproximo, não fiz barulho nenhum!
- Pensas tu, não foste assim tão astuto. Sei da tua presença desde que chegaste junto da passagem, ainda és muito desastrado. Para além disso, fugiste ao banho que Arlip preparou e estás a tresandar. - olhou então para trás, para ver melhor a cara de desilusão do jovem Kali - Senta-te ao meu lado. Quero contar-te uma história.
- Boa - Kali saltou para junto do rochedo e sentou-se - adoro as tuas histórias.
- Também fui mentor do teu pai. Eu e ele éramos muito amigos, era como um filho para mim - Kali adorava ouvir histórias sobre o seu progenitor. Sabia que ele tinha sido um guerreiro temível e um grande rei. Famil continuou - ele era tal como tu, queria ser o mais forte mas tinha dificuldade em ouvir os conselhos que lhe davam. Na nossa antiga aldeia, havia uma estátua sagrada, feita à mão pelos nossos antepassados, que estava na tenda do grande chefe. Uma noite, o teu pai esperou que todos se deitassem e tentou esgueirar-se pela entrada da tenda do grande chefe. Conseguiu entrar na tenda, sem fazer barulho, e roubou a estátua sem que o grande chefe acordasse. Estava eufórico quando saiu da tenda, com o troféu da sua aventura nas patas. Porém, eu já esperava por ele cá fora. Quase deu um grito quando me viu. Calmamente fui ter com ele e disse-lhe para devolver a estátua antes que arranjasse problemas. Ele era muito teimoso, tornou-se um guerreiro fantástico quando começou a ouvir os conselhos que lhe davam.
- Como conseguiste apanhá-lo? Tu próprio disseste que ele não tinha feito barulho. Nem o grande chefe se apercebeu!
Famil esboçou um sorriso.
- Sabes, Kali, quando os motivos que nos regem não são puros, acabamos por ser sempre descuidados. Um dia, quando os teus motivos forem puros, vais conseguir enganar-me. Até lá, deves ouvir os meus conselhos.
- Continuo sem perceber como fizeste isso...
- E agora tenho um conselho para ti. - antes que Famil falasse, Kali virou as costas e regressou à cama. Já conhecia esse conselho...

Uma passagem secreta

Às vezes sou uma pessoa complicada. Só às vezes. Ontem à noite, depois de jantar (que por acaso estava mesmo saboroso - lombo no forno com batata, tudo produtos caseiros, apenas azeite, sal e um pimenta q.b. a temperar... hum, delícia), fui ter com uns amigos. Não posso dizer que fui ao café porque aquele sítio tem sete definições diferentes nos toldos à entrada, não posso dizer que fui beber café porque bebi duas médias, não posso dizer que fui beber uma cerveja porque na mesa estavam cafés, Pepsi, chocolates quentes... Enfim, saí de casa por uns tempos.

E nesse café/beer lounge/snack-bar/sei lá o quê mais é preciso percorrer três divisões, passar à porta da cozinha e não entrar na arrecadação, atravessar um corredor com pouca luz e rezar para que não esteja nenhum estripador escondido num canto escuro, para ir ao WC verter líquidos. Eu arrisquei-me, não por opção mas por necessidade. Contudo, a viagem não correu tão bem como esperava. A meio da viagem, as luzes começaram a rodar à volta da minha cabeça, na parede abriu-se um portal e eu fui sugado para outra dimensão.

Acordei com a cara na lama, ao lado de um lago. Levantei-me, sacudi a roupa e olhei em redor. Ao longe avistei uma nuvem de fumo. Tive receio mas fui nessa direcção, onde há fumo há fogo, onde há fogo costuma haver gente. Caminhei até lá, sempre com o lago à minha esquerda. Paisagem magnífica, água cristalina, do meu lado direito apenas floresta, relva verde debaixo dos meus pés. Não havia ninguém junto da fogueira, apenas um caldeirão com água a ferver e um peixe espetado num pau, um pargo, pensei eu. Tive medo de chamar por alguém, podiam ser bandidos ou foragidos. Já li muitos livros e essa hipótese costuma ser a mais frequente. Deambulei pelas redondezas, apenas se ouvia o canto dos pássaros e as folhas das árvores a dançar ao som do vento. Não fui de meias medidas, tinha fome e tirei o pargo de cima da brasa. Era saboroso, faltava-lhe apenas uma pitada de sal. Comi num ápice, com apetite e com medo que os donos do peixe surgissem do meio da vegestação. Tal não aconteceu e tive de seguir em frente, à deriva, à procura de uma aldeia ou de alguém que me pudesse explicar onde me encontrava. Continuei a passear à beira do lago, estava maravilhado com a clareza da água. Soubesse eu nadar e ia dar um mergulho, estava calor, o sol brilhava bem alto, o dia ainda ia a meio. Ouvi vozes, parei, escondi-me atrás de um pedregulho e fiquei à espreita. Um grupo de três homens se aproximava da fogueira. Pareciam bandidos, roupas sujas e rasgadas, o pargo devia ser o almoço deles. Encolhi-me o máximo que pude e tentei suster a respiração. Um deles, o mais baixo, gritava improprérios indecifráveis, possivelmente contra o ladrão que lhes tinha roubado a iguaria. O meu coração batia a mil, estavam a menos de duzentos metros e conseguia sentir-lhes o cheiro, já não deviam tomar banho há alguns dias. Eles continuavam a olhar em redor, à procura de alguém, à minha procura. Olhei na direcção contrária, a floresta estava a poucos metros e, uma vez aí embrenhado, seria difícil me encontrarem. Esperei pelo momento certo e dei uma corrida para o meio das árvores. Nem olhei para trás para confirmar se a minha fuga tinha sido bem sucedida, corri o mais que pude, sem olhar para trás, evitando rastos ou indícios de velhos caminhos. Corri durante segundos, minutos, vários metros, pelo meio das árvores e do mato. Até que parei numa clareira. Não tinha noção de quantos metros tinha percorrido, talvez quilómetros. O lago tinha ficado para trás, nem sinal dos bandidos. Baixei a cabeça e inspirei o máximo de ar possível, só entei reparei que estava ofegante. Precisava descansar, ninguém me tinha seguido, tentei escutar mas o bater do meu coração era muito forte. De repente, senti uma picada no peito, outra picada no ombro, olhei para baixo, tinha duas setas espetadas na minha carne. Tentei gritar mas faltaram-me as forças, cai de joelhos, as folhas começaram a agitar-se, alguém falou e duas sombras entraram na clareira. Duas mulheres, cabelo loiro a cair pelas costas, orelhas pontiagudas, uma delas empunhava um arco e uma seta apontada na minha direcção, senti a vista turvar, tentei levantar um braço e dizer que não lhes queria fazer mal mas não tive forças, tombei para a frente e fechei os olhos.


Quando acordei, estava à porta do WC. Achei estranho. Nem verti líquidos, dei meia volta aos sapatos e dei de frosques. Acho que tão cedo não volto lá. Hoje reparei que tinha uma ferida no peito, não deve ser nada...

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Apetece-me

Hoje apetece-me ter os meus 16 anos e sair à noite.

Só hoje, só por uma noite, ter 16 anos e tudo à volta ser igual ao que era. Os mesmos bares abertos, os mesmos preços, as mesmas companhias, as mesmas roupas, tudo. Ténis grandes, calças largas, t-shirt vermelha com um símbolo parecido ao da O'Neill, casaco laranja com capuz, 10 euros na carteira.

Paragem obrigatória no Lion. A primeira bebida da noite tinha de ser o "metro". Nunca percebi o porquê de se chamar "metro". Não andava debaixo da terra nem tinha cem centímetros. Era uma vasilha com cerca de 2,5L de cerveja que vinha para a mesa, e tinha um manípulo para nós irmos servindo os nossos copos de imperial. Na maior parte das vezes era mais espuma que líquido mas a malta adorava. As meninas bebiam jarros de daiquiri. Certas noites havia vontade de jogar "drinking games". Entre rapazes, havia sempre conversas porcas e a palavra "mamas" entrava em todas as frases. Literalmente, em todas as frases. O meu jogo preferido era o "Eu nunca". "Eu nunca vi mamas". Quem já tivesse visto mamas, bebia. Ao fim de três copos, o jogo começava a ficar mais interessante e terminava sempre com histórias sobre paixões platónicas ou fantasias. A melhor de todas foi quando descobrimos que um dos membros do grupo tinha fantasias com a minha ex-namorada. Gozo geral, mas isso foi noutro bar e a noite tinha começado com um copinho de saké para cada um. Depois íamos a outro bar para ouvir rock e comer pipocas. Já fechou. Há cerca de sete anos que não como pipocas nas saídas à noite. O tempo ia passando. Às duas, a noite estava a terminar. Passávamos na praça para pedir um cachorro-quente, com tudo a que tínhamos direito. Milho, cenoura, ketchup, maionese, cebola, batata palha. Não gostava de cebola na altura, contudo, já que estava incluída, vinha na mesma. E íamos comer para a avenida, a ver o rio e a contar histórias. Por vezes, histórias inventadas ou ouvidas nos corredores da escola. Falava-se das miúdas que tínhamos adicionado no hi5 ou no msn. Os mais "experientes" tentavam sempre gabar-se e dar umas dicas. Em cada rapaz havia um Dr. Love! Estava na hora de ir para casa. Os horários ainda eram apertados e não podíamos fazer barulho ao entrar em casa.

Eram assim as noites, por norma uma vez por semana, ao sábado. Hoje apetece-me voltar atrás no tempo. Ter 16 anos outra vez, tudo igual, só hoje, só por uma noite...