quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O final do Verão



Lá andava o rapaz a correr e a pular atrás do avô. Às vezes ajudava, com as mãos pequenas e um minúsculo sacho. Fazia festas na terra mas para ele era como se estivesse a cavar metade da horta com cada cavadela. Outras vezes, na sua maioria, claro está, só incomodava. Tropeçava no próprio chão e, volta e meia, lá ia o joelho contra uma pedra e as pobres calças, já remendadas, teriam de passar novamente pelas mãos habilidosas da avó.

O final do Verão era marcado, todos os anos, pela mesma imagem. Vendo bem, é das melhores e mais presentes recordações que lhe restam.

Acordava, com o Sol já forte, apesar de pouco passarem das oito da manhã. Espreitava pela janela do seu quarto e lá ia o burro, com um velhote às costas e umas cestas. Nas cestas ia o trabalho do ano, ou pelo menos uma parte, em direcção à vila onde esperava arrecadar umas moedas e trocar o resto por sementes. O produto da horta alimentava a casa mas só estas visitas à vila podiam pagar o gasóleo do tractor ou os medicamentos para as dores do corpo, pobre coluna sempre a queixar-se e um andar coxo ao qual se tinha habituado ainda em boa idade, eram o suficiente para acompanhar o pão com doce pela manhã. Uma chávena de café, uma fatia do pão amassado pela esposa, um bocado de doce de tomate ou de compota, consoante a sorte, e dois comprimidos que um médico, na altura português, lhe receitou para poder trabalhar mais uns anos. Passava-se a semana e todos os dias a mesa era posta para um a mais. À hora da ceia todos olhavam para o canto da mesa, ainda órfão do patriarca da família. Do seu lado a velhota suspirava e ansiava pelo seu regresso. E que desta vez trouxesse alguma surpresa ou boas novas da vila. Por vezes ficava a saber que um amigo de infância tinha falecido ou que o filho do Zé do talho estava emigrado para França ou que o filho do carteiro Manuel tinha casado com uma moça da cidade e se tinha ido embora. A malta jovem queria ir embora, recusavam pegar na enxada. Que futuro dava uma leira de batatas ou uma fileira de macieiras? Estava na moda ir para o estrangeiro ou fugir para as cidades. Dava dinheiro trabalhar num escritório pequeno sem ver a luz do dia, preencher papéis, estudar até não poder mais. Ou então ir para a hotelaria. Muitos diziam fazer lá bom dinheiro. Mas o pequeno rapaz todos os dias esperava junto ao caminho com o seu sacho na mão. “Ainda não é hoje que o avô chega”, pensava ele quando o Sol desaparecia no horizonte. Até que chegava o dia. Ao longe, normalmente pelo final da tarde, surgia uma silhueta ao fundo da estrada. Estrada de terra, trânsito inexistente. Lá vinha o homem com um pau às costas, uma cesta na ponta do pau e um par de botas ao pescoço, novas, na mão trazia um cacho de bananas. Ao entrar em casa piscava o olho ao pequeno, escondia as bananas e dava um beijo na esposa. Mas a resposta não se fazia esperar, “Pronto, vendeste o burro e agora quem vai lavrar a terra? E para que precisas das botas? Ainda o ano passado compraste umas novas! Meu Deus, que vai ser de nós agora sem o animal. Conseguiste ao menos comprar sementes?”. Era então que puxava das bananas. Ali na vizinhança não havia bananas, e ele gostava, e a esposa ainda gostava mais. A discussão acabava logo, na semana seguinte já tinham novo burro, comprado por metade do preço a um amigo ali de perto.

A vida continuava. E, inevitavelmente, o final do Verão era anunciado pela viagem do burro a caminho da vila. Na chegada, durante anos assim foi, lá vinha o velhote com um pau às costas, um par de botas novas ao pescoço e um cacho de bananas na mão.

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