Lá andava o rapaz a correr e a pular atrás do avô. Às vezes
ajudava, com as mãos pequenas e um minúsculo sacho. Fazia festas na terra mas
para ele era como se estivesse a cavar metade da horta com cada cavadela.
Outras vezes, na sua maioria, claro está, só incomodava. Tropeçava no próprio
chão e, volta e meia, lá ia o joelho contra uma pedra e as pobres calças, já
remendadas, teriam de passar novamente pelas mãos habilidosas da avó.
O final do Verão era marcado, todos os anos, pela mesma
imagem. Vendo bem, é das melhores e mais presentes recordações que lhe restam.
Acordava, com o Sol já forte, apesar de pouco passarem das
oito da manhã. Espreitava pela janela do seu quarto e lá ia o burro, com um
velhote às costas e umas cestas. Nas cestas ia o trabalho do ano, ou pelo menos
uma parte, em direcção à vila onde esperava arrecadar umas moedas e trocar o
resto por sementes. O produto da horta alimentava a casa mas só estas visitas à
vila podiam pagar o gasóleo do tractor ou os medicamentos para as dores do corpo,
pobre coluna sempre a queixar-se e um andar coxo ao qual se tinha habituado
ainda em boa idade, eram o suficiente para acompanhar o pão com doce pela
manhã. Uma chávena de café, uma fatia do pão amassado pela esposa, um bocado de
doce de tomate ou de compota, consoante a sorte, e dois comprimidos que um
médico, na altura português, lhe receitou para poder trabalhar mais uns anos.
Passava-se a semana e todos os dias a mesa era posta para um a mais. À hora da
ceia todos olhavam para o canto da mesa, ainda órfão do patriarca da família.
Do seu lado a velhota suspirava e ansiava pelo seu regresso. E que desta vez
trouxesse alguma surpresa ou boas novas da vila. Por vezes ficava a saber que
um amigo de infância tinha falecido ou que o filho do Zé do talho estava
emigrado para França ou que o filho do carteiro Manuel tinha casado com uma
moça da cidade e se tinha ido embora. A malta jovem queria ir embora, recusavam
pegar na enxada. Que futuro dava uma leira de batatas ou uma fileira de
macieiras? Estava na moda ir para o estrangeiro ou fugir para as cidades. Dava
dinheiro trabalhar num escritório pequeno sem ver a luz do dia, preencher
papéis, estudar até não poder mais. Ou então ir para a hotelaria. Muitos diziam
fazer lá bom dinheiro. Mas o pequeno rapaz todos os dias esperava junto ao
caminho com o seu sacho na mão. “Ainda não é hoje que o avô chega”, pensava ele
quando o Sol desaparecia no horizonte. Até que chegava o dia. Ao longe,
normalmente pelo final da tarde, surgia uma silhueta ao fundo da estrada. Estrada
de terra, trânsito inexistente. Lá vinha o homem com um pau às costas, uma
cesta na ponta do pau e um par de botas ao pescoço, novas, na mão trazia um
cacho de bananas. Ao entrar em casa piscava o olho ao pequeno, escondia as
bananas e dava um beijo na esposa. Mas a resposta não se fazia esperar,
“Pronto, vendeste o burro e agora quem vai lavrar a terra? E para que precisas
das botas? Ainda o ano passado compraste umas novas! Meu Deus, que vai ser de
nós agora sem o animal. Conseguiste ao menos comprar sementes?”. Era então que
puxava das bananas. Ali na vizinhança não havia bananas, e ele gostava, e a
esposa ainda gostava mais. A discussão acabava logo, na semana seguinte já
tinham novo burro, comprado por metade do preço a um amigo ali de perto.
A vida continuava. E, inevitavelmente, o final do Verão era
anunciado pela viagem do burro a caminho da vila. Na chegada, durante anos
assim foi, lá vinha o velhote com um pau às costas, um par de botas novas ao
pescoço e um cacho de bananas na mão.
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