Nos meus tempos de garotagem, se o Manel chama-se "maricas" ao Xico (nomes fictícios), a turma toda se reunia para ver o Xico a dar umas lambadas no Manel. Ou o Manel a dar no Xico, variava. Fazia-se uma roda, o Manel voltava a chamar "maricas" ao Xico, o Xico dizia "repete lá isso", o Manel voltava a chamar "maricas" ao Xico, o Xico insultava a mãe do Manel, o Manel insultava a mãe do Xico, e andavam naquilo até que alguém lá atrás, já cansado de tanta conversa fiada, murmurava "eh, eu não admitia". Esta frase, dita na altura errada, era capaz de despoletar a fúria no betinho mais calmo da escola. Se havia coisa que fazia a garotagem do meu tempo se passar da cabeça era alguém dizer "eh, eu não admitia". Ninguém, meus amigos, ninguém admitia! Às vezes já ninguém sabia em que ponto ia a conversa, contudo, ninguém admitia! A seguir, era tareada de meia-noite! Ou vá, três ou quatro murros e alguém aparecia a separar os dois gaiatos. Um puxão de orelhas a cada um e iam todos para a aula. Durante um ou dois dias não se falavam. Depois, já ninguém se lembrava. Ou o Xico tinha um tazzo que o Manel queria ou faltava algum jogador na equipa do Manel e ele chamava o Xico. Faziam as pazes e voltavam a ser amigos. Com as raparigas, coisa parecida. Havia mais puxões de cabelos e arranhões mas o final era igual. Ficavam três ou quatro dias sem se falar e depois voltavam a fazer missangas juntas e aqueles joguinhos do quantos queres?. As raparigas sempre levaram os assuntos mais a sério que os rapazes.
Greves. Era uma festa. Cheguei a perder intervalos a tentar convencer as funcionárias da cantina a ficar em casa. Se não houvesse funcionárias suficientes na cantina e no buffet, a escola não abria. Dia de greve era fatal, quem podia, chegava atrasado, na esperança de receber uma mensagem com as palavras mágicas: "não há aulas". Outros dias só à chegada à escola sabíamos que os portões não iam abrir. Era uma festa. Íamos logo a correr pegar na bicicleta para ir dar uma volta pela localidade. Só voltávamos para casa quando a fome fosse mesmo grande, mas mesmo grande.
Hoje em dia, vejo pais à porta da escola a reclamar das greves, alunos expulsos por chamarem nomes aos colegas, pais que levam a sério uma lambada que o professor deu no aluno ou uma nota negativa. Este mundo já não é aquele que eu conhecia. Tenho saudades de ser gaiato e andar à biqueirada com o Xico (que, mesmo que hipoteticamente, é o mais lingrinhas). Atirar bolas para fora da escola e ir a correr procurá-las no descampado. No Carnaval chegava a casa encharcado, por vezes engripado, mas sempre contente. "Este ano fiquei mais molhado que tu mas para o ano vingo-me, junto mais três ou quatro amigos e logo vês". Tempos em que me atrasava para ver o Yu-Gi-Oh ou corria para chegar a casa a tempo do Dragon Ball. Bons tempos, meus amigos, bons tempos...
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